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Artigo

Chega de Fiu Fiu

Publicado: 15 Dezembro, 2014 - 15h07

Rosana Leite Antunes de Barros

Está tomando corpo a "Campanha Chega de Fiu Fiu", idealizada pela jornalista Juliana de Faria, com o apoio da Defensoria Pública de São Paulo, e que visa o fim do assédio às mulheres em local público.

É muito comum, principalmente em lugares onde há predominância masculina, as mulheres serem insultadas com todas as formas de "cantadas", das mais chulas possíveis, como se fosse da vontade delas ouvi-las: "Que delícia", "Me dá um sorriso, princesa", "Ô lá em casa!".

Situações como essas demonstram que a violência de gênero é muito presente no cotidiano. A mulher é vista como objeto pelo sexo oposto, que se sente no "direito" de utilizar desses subterfúgios para chamar a atenção, firmando a sua virilidade.

A dignidade da pessoa humana é afrontada com essas atitudes, vez que, acontecem sem o consentimento feminino, vindo de um estranho, e fazendo um comentário erótico sobre a respectiva aparência da mulher. Às vezes, ocorrem toques no corpo sem a devida permissão. O ser humano é merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando no complexo de direitos e deveres fundamentais que nos devem ser assegurados. Inclusive, o fundamento da liberdade, da justiça, e da paz se encontram feridos, também.

A campanha tem a finalidade de formar um documentário, e já lançou a pesquisa em 2013 na internet, onde 99,6% das mulheres entrevistadas afirmaram já ter sido assediadas, e dessas, 83% se sentiram vilipendiadas em seus direitos. Inicialmente a campanha começou em São Paulo com entrevistas às vítimas, e àqueles que costumam praticar o assédio. Entretanto, para diagnosticar melhor como essas "cantadas" vem ocorrendo, óculos com micro câmeras serão distribuídos para que as imagens sejam registradas nas ruas das cidades, para mostrar à sociedade como as mulheres sofrem assédio em sua rotina.

Sem contar que fatos assim se constituem em contravenções penais de importunação ofensiva ao pudor, onde é cominada pena de multa, ou ato obsceno, crime descrito no Código Penal Brasileiro. E, em casos de apalpes indesejados, pode configurar o delito de estupro.

Não se cuida de valorização, ou elogio à mulher. Trata-se, sim, de violação a direitos básicos, sendo configurada a violência. As mulheres acabam tendo que tomar atitudes de mudança de hábito diário em decorrência de assédio. Quantas mulheres já tiveram que mudar de calçada para não passar em locais onde vários homens se encontram reunidos? Quantas evitam passar em frente a bares? Quantas trocam a roupa curta para evitar situações indesejadas?

O direito de ir e vir prejudicado. O direito de poder usar o que quiser, sem ser taxada como alguém que almeja ser estuprada, tal como a pesquisa do IPEA.

Dentre as mulheres já entrevistadas, um caso curioso: um idoso de mais de 70 anos no ponto de ônibus profere uma "cantada" a uma jovem de pouco mais de 20 anos, e, por coincidência, tomam o mesmo circular. Dentro do coletivo, então, o mesmo "galanteador" pede para fazer uso das poltronas privativas de idosos. Contrassenso?!

Rosana Leite Antunes de Barros é Defensora Pública Estadual, atuando na defesa da mulher vítima de violência doméstica e familiar da Capital, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher de Mato Grosso, e escreve às segundas para o Jornal A Gazeta.